Tornou-se consenso afirmar que desde a promulgação da Constituição de 1988 o Brasil vive um sistema pleno de democracia representativa, com eleições regulares a cada dois anos e um sólido aparato institucional. Em duas ocasiões nos últimos 15 anos, os pilares da democracia foram colocados em cheque, por meio de processos absolutamente constitucionais, que conduziram à deposição de dois presidentes em atos de comprovada ilicitude, sem que houvesse qualquer transtorno da ordem pública. Basta comparar com a nossa conturbada vizinha Venezuela, cujo ditador Nicolás Maduro, admirado pelos partidos de esquerda, tem promovido criminosos atentados à ordem jurídica, deixando a Constituição em frangalhos.
Porém, falar em democracia legítima é uma falsa verdade. Se estamos distantes da sangrenta e cruel ditadura venezuelana, tampouco podemos bater no peito e dizer que contamos com uma democracia legítima, que ofereça o amplo direito da Livre Iniciativa para Todos no exercício de seus deveres políticos na hora da escolha de seus representantes. Uma democracia livre e soberana não pode conviver com a espúria compra de votos que há décadas corrompe políticos de todos os partidos e a sociedade que ignora o país como um todo. Recentemente, de forma cínica, que beira a hipocrisia, um poderoso empresário confessou descaradamente que doou recursos para as campanhas de 1.829 deputados de 28 partidos. Que credibilidade possuem estes parlamentares que aceitam financiamento de um grupo que se tornou, em poucos anos, uma gigantesca multinacional graças às benesses do dinheiro público a juros generosos?
Poucas pessoas sabem, mas existe desde 1999 a Lei 9840/99 (“Lei Contra a Compra de Votos”), que autoriza a cassação do registro da candidatura ou do diploma de políticos que praticarem as irregularidades previstas, além de pagamento de multa de até R$ 50 mil (para compra de voto) e de até R$ 100 mil (para uso da máquina administrativa). Seria injusto dizer que a lei não é aplicada, mas atinge principalmente vereadores de pequenas cidades de regiões distantes dos grandes centros. Os valores das multas são ridículos, comparados ao volume que irriga as campanhas. Os verdadeiros “tubarões” da política, com maior poder econômico, continuam subornando os políticos, que são eleitos e reeleitos e impedem a ascensão de novas lideranças da sociedade civil. Política não é profissão!
É inconcebível que este modelo esteja prestes a se perpetuar na forma do financiamento público das campanhas, que pode chegar a R$ 3,5 bilhões nas eleições do próximo ano, caso prevaleça o texto em discussão sobre a reforma política, na Câmara Federal. Em um país em que prevaleçam os princípios de uma democracia legítima, cabe aos brasileiros, de forma transparente, apoiar os candidatos que sejam mais honestos e capazes de encaminhar as suas reivindicações no Legislativo. Mas, reforço, com total transparência, do contrário continuaremos com a nefasta prática do caixa 2 ou outro tipo ilegal de financiamento.
O Brasil só terá uma democracia legítima quando expressões como “propina”, “caixa 2” e “reciprocidade” desaparecerem do vocabulário político e sejam incorporadas ao Direito Penal. Não existe caixa 2 com fins eleitorais, é uma invenção brasileira para legitimar a sonegação e a corrupção que está fazendo com que os nossos jovens abandonem o Brasil. Legislar em causa própria, como agem os parlamentares, acaba por perpetuar procedimentos que em uma Democracia consolidada seriam passíveis de prisão. É dever de todos os cidadãos lutar sem hipocrisia por uma democracia legítima, sem compra de votos ou financiamento público de campanhas.
Continuamos acreditando no Brasil!